sábado, maio 14, 2005

O DEFEITO PERFEITO DO MODELO ORIGINAL

O defeito perfeito do modelo original, inacabado pelo mestre ignorante, é o vazio donde brotam as flores e o sangue derramado sempre inutilmente, mas nunca em vão, pelos ratos presos nas ratoeiras recheadas de queijo e montadas sobre teias de aranha, teias que se assemelham a labirintos contidos dentro de outros labirintos, numa reflexão magnificada magnificente. Quanto mais se enche o copo mais se esvazia a garrafa, até que se chega ao fundo onde se esgota a gota. Quando não se deixa que o gelo derreta na bebida ele acaba sempre solitário no fundo do copo, suando até ao seu fim, o gelo é distante e, como o fogo, também queima através do contacto prolongado com a superfície da pele exposta e vulnerável da espécie humana, que é a nossa, porque os eles são sempre os outros e nunca são poucos, assim como a quantidade de nomes irreconhecíveis pelos quais são conhecidos, mas aos quais nem sempre respondem, nem correspondem. A comida é necessária à vida, mas tudo o que a vida nos dá são plásticos de marca com gosto de desgosto etiquetado e embalado nos braços de escavadoras com pás crivadas de dentes afiados como bisturis precisos e desnecessários. A música produzida pelas máquinas está sempre dentro do compasso, passo a passo forma-se a sinfonia dos ruídos codificados e comprimidos debaixo de botas militares envernizadas e nervosas, atarefadas, elas sulcam o caminho de marcas territoriais afastadas do espaço, qualquer que ele seja. Os tanques estanques e confusos chocam na pista dos carrinhos de choque ao som de fichas de crédito, introduzidas mecanicamente na ranhura específica para o efeito pretendido, ou seja, o fim que lhes foi destinado, mas os destinos não se fazem, percorrem-se lentamente com paragens frequentes e bastante atenção ao pormenor e ao por maior que seja. Automóveis armados de chicotes fustigam, persistentemente, as costas largas de quem passa nas passadeiras e respeita os semáforos que passeiam os automóveis à trela num ritmo de transe binário alternado e atrelado. Facas rombas, manchadas de pastilha elástica cor-de-rosa com sabor a E-436, penetram suavemente nos corpos amolecidos por amaciadores e gel de banho com aroma a frutos exóticos marinhos, as ditas facas roçam na dignidade dos ditos corpos num movimento balanceado como um pêndulo de um divisor de tempo em tempos, a fricção produzida resulta no corte dos corpos pelas facas rombas que eles mesmos ajudaram a forjar com os punhos cerrados como dentes irados. Os peluches continuam aos encontrões entre garrafas de vidro gigantes, entretanto os martelos batem palmas de pé e lançam olhares de esguelha enquanto são guardados por agulhas acolchoadas e personalizadas de acordo com o modelo escolhido de entre as opções disponíveis.